As refinarias de petróleo usam grande quantidade de água em um processo industrial denominado craqueamento catalítico, que visa aumentar o rendimento de produtos como gasolina e gás liquefeito de petróleo (GLP), por meio da conversão de frações pesadas provenientes da destilação do petróleo em frações mais leves e de maior interesse comercial.
Por ter alta concentração de contaminantes tóxicos, como fenóis, gases sulfídrico e cianídrico, além de amônia, hidrocarbonetos e mercaptanos, esse efluente industrial – chamado de “água ácida” – não pode ser destinado diretamente para tratamento e precisa ser estocado pelas refinarias para a remoção da amônia e de sulfetos antes de ser descartado.
“As concentrações de contaminantes tóxicos nesse efluente industrial podem variar de 100 a 1.000 ppm [partes por milhão]. Se essa água residual for enviada diretamente para uma lagoa de tratamento, pode causar graves problemas ambientais”, disse Elen Aquino Perpetuo, professora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à Agência FAPESP.
Em colaboração com colegas do Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema) – um centro cooperativo em Engenharia Ambiental apoiado pela FAPESP –, a pesquisadora encontrou uma solução mais prática para o tratamento desse efluente industrial.
Os cientistas identificaram duas bactérias – a Achromobacter sp. e a Pandoraea sp. – capazes de reduzir a concentração de contaminação da “água ácida” para níveis aceitáveis e permitir lançá-la no ambiente ou reutilizá-la em processos industriais nas refinarias.
Alguns dos resultados do projeto foram apresentados no encontro Brazil-UK Frontiers of Engineering, realizado entre 6 e 8 de novembro em Jarinu, no interior de São Paulo, pela Royal Academy of Engineering, do Reino Unido, em colaboração com a FAPESP.
O evento reuniu 63 jovens pesquisadores de diferentes áreas da Engenharia – 33 do Brasil e 30 do Reino Unido –, atuantes em universidades, instituições de pesquisa e empresas, como Shell, Foster Wheeler e Petrobras, entre outras.
“As bactérias conseguiram remover todos os contaminantes de amostras de efluentes de refinarias”, afirmou Perpetuo, que realizou mestrado, doutorado e pós-doutorado com Bolsas da FAPESP.
De acordo com a professora, as duas bactérias foram isoladas do ar e descobertas por acaso, quando trabalhava como pesquisadora no Cepema, em Cubatão, próximo a uma refinaria da Petrobras.
Ao deixar uma solução de fenol com 500 ppm exposta em uma área de processos ao ar livre do Cepema, os pesquisadores perceberam que dias depois a solução começou a turvar – sinal de crescimento celular.
“Como só tinha fenol como fonte de carbono na solução, percebemos que microrganismos estavam degradando o composto”, disse Perpetuo. “Posteriormente, começamos a isolar as bactérias e a inoculá-las em diferentes concentrações de poluentes para verificar quem resistia mais à presença de fenóis. E constatamos que a Achromobacter sp. e a Pandoraea sp. eram mais eficientes na degradação do composto.”
Degradar fenol
A fim de testar a eficácia das bactérias na degradação de fenóis, os pesquisadores realizaram dois experimentos diferentes. No primeiro, feito em biorreatores, adicionaram 100 mililitros (ml) de biomassa de Achromobacter sp. em 500 ml de água ácida e mantiveram as bactérias na solução por 82 horas.
Já no segundo experimento, mantiveram por 96 horas cepas de Pandoraea sp. em uma solução de “água ácida” em balão de Erlenmeyer (frasco de vidro) sob agitação e temperatura controlada.
Para tornar incolor a “água ácida” tratada com as bactérias foi utilizada uma concentração de 6 gramas por litro de carvão ativado, como o utilizado em filtros de água domésticos.
Os resultados dos experimentos indicaram que as bactérias foram capazes de degradar os fenóis e compostos como o-cresol e m-cresol presentes na soluções em concentrações de 500 ppm.
A bactéria Achromobacter sp, contudo, foi a mais eficiente e demonstrou ser capaz de degradar fenóis em concentração de até 2 gramas por litro de solução.
“Até então não tinha sido identificada uma bactéria com uma capacidade tão alta de efluentes reais [não sintéticos].. As já relatadas na literatura científica têm capacidade de degradar concentrações de até 200 ou 300 ppm de efluentes sintéticos, como água adicionada de fenol, onde não há mistura de contaminantes”, disse Perpetuo.
Por meio de um projeto de doutorado, realizado com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores analisaram o proteoma (conjunto de proteínas) da bactéria a fim de identificar as enzimas envolvidas na capacidade de degradação de fenóis pelo microrganismo.
Os resultados da análise foram publicados na revista Current Proteomics e demostraram que o microrganismo possui algumas enzimas que apresentam uma grande expressão quando expostas ao fenol.
“Achamos que a Achromobacter sp pode ser uma espécie nova de bactéria. Por isso, já solicitamos a realização do sequenciamento do genoma total dela”, disse Perpetuo.
Aplicação em larga escala
De acordo com a professora, uma das possíveis formas de utilização das bactérias para o tratamento de “água ácida” seria por meio da aplicação de biofilme dos microrganismos em cilindros biológicos, semelhantes a rodas d’água, que ficariam parcialmente imersos e girando sobre a superfície de tanques de armazenamento do efluente, uma vez que as bactérias necessitam de aeração.
Ao girar, o cilindro possibilitaria que as bactérias ora entrassem em contato com o efluente e degradassem os contaminantes tóxicos e ora ficassem expostas ao ar.
“Desenvolvemos um protótipo do cilindro biológico para um tanque de um litro em um ambiente aberto e ele funcionou. Achamos que não seria difícil fazer um para uma escala bem maior”, estimou.
Na avaliação de Perpetuo e de outros especialistas presentes no evento em Jarinu, a biorremediação – como é chamado o uso de microrganismos para transformação biológica de produtos químicos indesejáveis, para imobilização de metais ou modificação das propriedades dos materiais para melhorar a utilização de recursos, como a água e a terra – é reconhecida como uma das soluções de mais baixo custo para a limpeza de água e solos contaminados.
Com as novas tecnologias de sequenciamento genético, a área começou a se desenvolver mais nos últimos anos, avaliou Andrew Singer, pesquisador do Centro de Ecologia e Hidrologia do Natural Environment Research Council (Nerc), do Reino Unido.
“A microbiologia molecular moderna se desenvolveu em um ritmo tão grande nos últimos anos que poderá nos permitir não só identificar micróbios isolados e sua atividade genética, como também fazer um levantamento rápido de um ambiente inteiro para determinar as espécies de microrganismos presentes e estimar a abundância e sua atividade”, disse Singer em palestra durante o evento.
Fonte: Exame.com – Elton Alisson, da AGÊNCIA FAPESP.
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