Não é de hoje que o agronegócio brasileiro demonstra uma extraordinária capacidade de superar as adversidades. Foi assim no ano passado, quando a economia do país encolheu 3,8% e os preços dos principais produtos agrícolas caíram no mercado internacional. Apesar do cenário desfavorável, o setor colheu uma safra recorde de grãos e fechou o ano gerando um saldo positivo de 75 bilhões de dólares na balança comercial.
Neste ano, mesmo com a economia brasileira ainda no fundo do poço, tudo indica que, mais uma vez, o campo vai repetir o bom desempenho. A previsão é que os agricultores colham mais de 210 milhões de toneladas de grãos na atual safra, quebrando o recorde de produção pelo sétimo ano seguido.
Desde 2000, o Brasil mais que dobrou o volume da colheita de grãos. E o melhor de tudo é que esse avanço ocorreu, sobretudo, pelo crescimento da produtividade — os agricultores estão colhendo cada vez mais grãos por área plantada.
As boas notícias não terminam aí. O aumento da eficiência continua se disseminando pelo país, incorporando novos polos agrícolas. O mais recente exemplo vem de Sergipe, o menor estado brasileiro em extensão territorial.
Até há pouco tempo, predominavam no agreste sergipano — uma estreita faixa de terra entre a região costeira e o sertão, com solo fértil e chuvas regulares — a agricultura familiar de subsistência e a pecuária extensiva de baixa produtividade. A situação começou a mudar nos últimos anos, quando produtores da região perceberam uma oportunidade: em função do clima local, a colheita de milho ocorre de novembro a fevereiro, no período de entressafra de outras áreas produtoras.
Com isso, podem abastecer na entressafra granjas de frangos e suínos localizadas principalmente em Pernambuco. Atraídos pela possibilidade de ter clientes cativos para sua produção, os agricultores desenvolveram plantações de milho com sementes melhoradas e manejo adequado — elas ocupam quase 300 000 hectares em Sergipe e nos estados vizinhos.
Há dois anos, o estado bateu seu recorde ao colher mais de 1 milhão de toneladas de milho numa safra, dez vezes o que produzia até a virada do século. O milho sergipano passou a ser conhecido como de “terceira safra”, por complementar as colheitas de verão e de inverno das principais regiões produtoras do país.
Produção com tecnologia
Por estar em pleno Nordeste, os produtores de milho de Sergipe recebem até 90% mais que o valor pago ao produtor do Mato Grosso que vende à região. A diferença se deve ao frete: o milho do Centro-Oeste tem de percorrer 3 000 quilômetros até os principais centros consumidores nordestinos.
Satisfeito com os resultados que vem obtendo, o agricultor Andersonn Jonnhy Barbalho Souza, de uma tradicional família de pecuaristas do município de Frei Paulo, a 75 quilômetros de Aracaju, prepara-se para cultivar 550 hectares de milho na safra cujo plantio se iniciará em maio. Nos anos anteriores, quando as chuvas foram regulares, Souza colheu quase 10 000 quilos de milho por hectare — uma produtividade elevada, duas vezes a média nacional.
Ele acaba de ampliar a frota de máquinas, que já era composta de duas colheitadeiras e cinco tratores, entre outros equipamentos. Comprou três novos tratores equipados com aparelho de GPS e piloto automático para a agricultura de precisão, modalidade em que os insumos são aplicados na quantidade ideal para a maior eficiência possível em cada talhão de terra. “Espero aumentar 10% minha produtividade nesta safra”, diz Souza.
A exemplo de Souza, centenas de agricultores da região passaram, nos últimos anos, a investir em maquinário agrícola de ponta e em sementes de alta qualidade para extrair o melhor do solo. Até então, os produtores locais cultivavam o milho com sementes próprias ou sobras de outras regiões.
A mudança começou quando a estatal Embrapa passou a divulgar os resultados de pesquisas demonstrando o potencial de Sergipe na produção de milho com a adoção de técnicas mais modernas, incluindo o uso de sementes melhoradas. Os estudos da Embrapa atraíram fornecedores de insumos e de máquinas, que estão ajudando a consolidar a região como polo agrícola.
A americana Monsanto, produtora de sementes, lançou recentemente em Sergipe dois híbridos de milho com raiz resistente a pragas — quando a raiz é afetada, a planta absorve menos água e tem o desenvolvimento prejudicado. “Temos boas expectativas de elevação da produtividade com o uso dessa tecnologia na região”, diz Guilherme Lobato, gerente da área de biotecnologia de milho da Monsanto.
Considerando-se todos os fornecedores, estão sendo negociadas 200 000 sacas de sementes de alta qualidade para a próxima safra na região. “O agricultor local paga, sem pestanejar, 350 reais por uma saca de sementes, pois sabe que terá retorno”, diz Hélio Wilson Lemos de Carvalho, pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros, unidade sediada em Aracaju. “É a prova de que o lucro é o principal estímulo para a adoção de tecnologia.”
A profissionalização da agricultura em Sergipe segue os trilhos de outros polos já consolidados no Nordeste, com destaque para a área conhecida como Mapitoba (ou Matopiba), que compreende partes dos estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. Há 20 anos, a região era pouco conhecida e explorada, até ser “descoberta” por produtores paranaenses e gaúchos, que foram atraídos ao local pelas terras abundantes e baratas.
Em poucos anos, as pastagens extensivas e o cerrado deram lugar a uma agricultura mecanizada. Hoje, a Mapitoba é o polo onde o cultivo de grãos mais se expande no país. Na última safra, foi responsável por 9% da produção brasileira de soja, milho e algodão.
O potencial da região ainda é grande. Atualmente, 6 milhões de hectares são cultivados na área, mas estima-se que seja possível plantar mais 10 milhões de hectares.
A expansão de fronteiras agrícolas como a Mapitoba foi impulsionada pelo período de cotações elevadas das commodities em razão da alta demanda chinesa, de 2005 a 2013. A posterior queda nos preços tem sido compensada pela desvalorização do real. Tanto que, neste ano, a despeito de o mercado mundial de soja ser abastecido por uma safra recorde dos Estados Unidos, seguida por outra do Brasil (devemos colher mais de 100 milhões de toneladas), os agricultores brasileiros estão ganhando como nunca.
No início do ano, produtores de Mato Grosso recebiam 66 reais por uma saca de soja, 30% mais do que no começo de 2015. A cotação do milho também é elevada, superando em até 50% os valores do ano passado. A bonança, entretanto, vale apenas para as commodities exportáveis.
Já os produtores de arroz e feijão enfrentam dificuldades, enquanto as indústrias de frangos e suínos sofrem com os preços altos do milho e da soja, seus principais insumos. No cômputo geral, porém, o agronegócio caminha para mais um ano na contramão da crise do país. Sorte nossa.
Fonte: Revista Exame