Ex-ministro e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres de Britto encerrou, na manhãdeste sábado (28/2), em Brasília, o 4º Encontro de Líderes Representantes do Sistema Confea/Crea e Mútua. Desde quinta-feira (26/2), foram escolhidos os novos gestores das coordenadorias de Câmaras Especializadas, do Colégio de Presidentes e do Colégio de Entidades Nacionais (Cden) do Sistema. “A ética como indutora no combate à corrupção e p.ara o desenvolvimento do Brasil” foi o tema de uma palestra que, a exemplo dee sua participação na 70ª Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia (Soea), em Gramado, em 2013, cativou o público formado por profissionais e lideranças do Sistema.
Para ele, a Ação Penal 470, o Processo do Mensalão, foi “um divisor de águas no país, um transbordardo copo, em que, dos 40 denunciados, o Supremo julgou ‘à luz do dia’, com toda a tecnicalidade. Sem esse julgamento, não haveria este julgamento da Petrobras. Até no plano das delações. O principal operador do mensalão, que com o tempo se tornou mentor também, ele resolveu
delatar, mas chegou tarde, perdeu o ‘timing’. O que fizeram agora foi antecipar a delação premiada”.
O presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), engenheiro civil José Tadeu da Silva, destacou que todos conhecem o currículo do ex-presidente do STF. “O Confea sente-se honrado com a presença do senhor, mais uma vez. Na palestra de Gramado, nos comprometemos a recebê-lo novamente e aqui está o ministro. Tenho certeza de que ele irá nos enriquecer bastante”. Ao final da palestra, Ayres Britto descreveu que a instituição visa alcançar objetivos. Lembrando sua fala em Gramado, disse que a eficiência depende da fidelidade a preceitos administrativos e morais à frente do Confea, por exemplo.
Ponto de inflexão
Ayres Britto declarou ser uma honra profissional e acadêmica participar do Encontro. “Sobretudo nesta fase em que parece, que de uma vez por todas, vamos passar o Brasil a limpo. Nessa ambiência do despertar das instituições, com um imperioso convite para uma introspecção analítica e institucional para ver o que tem acontecido com o Brasil, diante deste triste fenômeno da corrupção, sistêmica, capilarizada nas instituições públicas e privadas, em todas as latitudes do país. Um momento de inflexão histórica, de fazer destino. A hora é agora para que o país caminhe para si mesmo do ponto de vista civilizatório”, disse, saudando os presentes.
Destacou o artigo de Paulo Guedes, “O grande despertar republicano” (O Globo, 17.11.2014), exaltando a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público. “Ele questiona se era algo transitório ou se estávamos assistindo mesmo a um ressurgir das instituições com perspectiva de sustentabilidade. E eu liguei para ele, encantado, concordei, dizendo que estávamos em um momento de irrupção do coletivo, uma nova era civilizatória para o Brasil. Há uma consciência de que fora das instituições não há salvação, como ele próprio afirma no artigo”.
Ayres Britto afirmou que há ainda mentalidades provincianas, diante de personalidades individualistas. “A vida é um gravitar em torno das instituições, locomotivas sociais que elas são, que gravitam em torno de valores. De sorte que nós praticamos os valores pela mediação das instituições. Historicamente, onde foi que erramos?”, questionou, para tentar deslindar o quadro de corrupção que ainda assola o país nos primeiros 15 anos do século XXI. “Esse vexame internacional confirma o assalto ao erário público e que o caso Petrolão é emblemático”.
Gênese histórica
O ex-ministro do STF comparou o processo de colonização brasileiro com o norte-americano para sustentar as raízes da histórica crise ética brasileira. “Me permito dizer que os nossos males começam desde a colonização. Nosso processo de ocupação do solo brasileiro não foi virtuoso como o norte-americano, nosso paradigma impessoal. Lá a sociedade chegou antes do Estado, aqui o contrário, o que teve consequências até hoje”.
Ayres considerou que os imigrantes norte-americanos chegaram ao país com um “animus ficandi”, dispostos a implantar instituições definitivas, como a família, a Igreja, a escola, a empresa, a polícia, as delegacias, as forças armadas e outras. “Com um sistema confederativo e depois federativo, houve uma descentralização geográfica do poder, para que cada província experimentasse já, de saída, a tríplice separação do poder político e a forma republicana de governo. Já a nossa forma de Estado foi unitária, a monarquia, com apenas uma pessoa jurídica com personalidade internacional, a Corte portuguesa. Não tínhamos unidades políticas dialogando em pé de igualdade. Tudo errado”.
Ayres Britto lembrou que o governo português se apossou de todas as terras, sem condições de garantir essa publicidade agrária em um país com dimensões continentais. Comparando a família à sociedade, destacou a necessidade de agregar valores “para que essas pessoas gravitem em torno de valores: igualdade, liberdade de religião, solidariedade e por aí vai”. Nesse contexto, a intenção dos portugueses seria apenas enriquecer. “Não tínhamos a mentalidade institucional como os americanos tiveram, cuidando da solidez de suas empresas e associações corporativas e outras. A promiscuidade entre o público e o privado, o patrimonialismo, a não separação entre o público e o privado eram a regra. Até hoje não se toma posse nos cargos, mas dos cargos públicos”, disse, sob aplausos.
A força das instituições
“A história não nos favoreceu, nem por isso vamos desistir do país. A despeito disso, há um sentimento de nação no Brasil, e chegou a hora de compreender que é preciso aproveitar nossas virtudes coletivas e superar nossos defeitos coletivos, para virar essa página da história do Brasil. Nada melhor para isso do que fortalecer as instituições, espaços que permitem transformar sociedades em comunidades. O Confea é a casa dos senhores que exercem a profissão, com ética e conhecimento. As lideranças do Confea precisam ser legitimadas pelo exercício leal de seu compromisso. Sem essa identidade orgânica, não só funcional como ética, a instituição se enfraquece”.
O artigo segundo da Constituição foi citado pelo jurista para destacar a legitimidade das instituições que compõem os três poderes. “A função, o fim, é que dá nome à instituição, o meio”. Citou Nelson Rodrigues para destacar a importância da beleza da essência das coisas, do “óbvio ululante”, diante da incapacidade atual para reconhecer a necessidade das mudanças. “O desafio é diagnosticar a fragilidade das instituições, o que está impedindo o alcance das suas finalidades. Nunca deixaremos de ter bandidos, mas isso é pontual, pode ser combatido. Mas a corrupção brasileira está como um câncer em metástase”.
Na visão de Ayres Britto, uma das formas de superar este cenário é promover a cidadania. Dos alagoanos Pontes de Miranda e Graciliano Ramos, ao grego Péricles, a importância de valorizar a coletividade mereceu um especial enfoque do ex-presidente do STF. Distinguindo ética de moral, descreveu que “transitar na órbita dos valores é um fator de autorrealização pessoal”. Evocando mais uma vez sua verve poética e filosófica, sugeriu a força da honestidade, aludindo novamente à imagem das garças incólumes ao mangue, também apresentada ao público de Gramado. Em casa, em Brasília, ou novamente diante dos profissionais do Sistema Confea/Crea e Mútua, Ayres Britto pode sentir-se à vontade.
Encerramento
Ao final da palestra ministrada por Ayres Britto, foi encerrado o 4º Encontro de Líderes Representantes. “Após a satisfação que foi ouvir o ministro Ayres Britto, aproveito para agradecer todas as lideranças aqui presentes. Tudo ocorreu de forma justa e perfeita nesses dias”, afirmou o presidente do Confea, eng. civ. José Tadeu da Silva, em seu discurso de encerramento. “Que Deus, nosso grande engenheiro do universo, acompanhe cada um de vocês no retorno aos lares”, completou.